terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mais Curiosidades


Olá! Coisas muito boas andam acontecendo e nada melhor do que compartilhar aqui, já que é o blog do livro.

Faz duas semanas que publiquei o livro no site Amazon. E desde então estou recebendo vários recadinhos via e-mail. E obrigada a todos eles.
É muito bom ouvir a opinião de pessoas que não me conhecem. Não que a opinião dos amigos e familiares não conte. É legal, mas eu sempre fico com o pé atrás.
Em breve terei mais novidades sobre a publicação do livro em formato impresso. Enquanto não dá para falar. Vou deixá-los com mais algumas curiosidades sobre o livro.




Capa: Jocelio Soares
Contato: contatojlife@live.com
http://jlifesaver.deviantart.com 
https://www.facebook.com/jocelio.lifesaver

Como Surgiu a ideia:


Em 2006 tive a ideia para uma fic sobre Harry Potter. Detalhe, a bendita ficou só na minha cabeça. Nunca a coloquei no papel, mas nunca esqueci de seu enredo, que consistia numa rebelião  organizada por Fawkes (fênix de estimação do diretor de Hogwarts).

Então, no início do ano passado, não sei porque acabei lembrando da bendita e pensei... "E se eu fizesse um livro sobre criaturas mágicas?". Sempre amei o universo mágico, assim como aconteceu com Lua Escarlate, decidi que queria sair um pouco do lugar comum das criaturas mágicas. Por isso, ao invés de dar plumas, escamas e orelhas engraçadas, decidi dar a elas uma aparência humana.
Como gosto de dizer... "Eles são criaturas mágicas meio X-Men".

A ideia surgiu, mas como colocá-la no papel? Acreditem, esse é o meu maior problema. Minhas ideias são ótimas, até eu começar a executá-las. Aí é um Deus nos acuda.
Enfim, na minha mente doentia, queria contar a história de como bruxos e seres mágicos fugiram da caça as bruxas. Decidi que seria legal mostrar um tipo de ritual, que separou uma parte do mundo humano e o tornou mágico e seguro para quem fosse diferente (Bruxo ou criatura). Daí surgiu o problema... Como fazer isso? Pensei e pensei, então tive a ideia de criar um ritual que envolvia cinco criaturas diferentes e cinco objetos mágicos. Um problema solucionado, mas surgiu outro. Que tipo de objetos mágicos?
Não queria varinhas ou anéis. Tinha que ser algo diferente.

Foi nesse momento que entrei em desespero. Nada surgia, nada, vezes nada.
Como ficar pensando muito me deixa com dor de cabeça e me dá insônia. Fui dar uma volta pelo meu bairro. E acreditem... Foi a salvação.
Passei diante do supermercado que sempre frequento, quando vi uma barraquinha de DVDs pirata. Eu não me orgulho de ter comprado um DVD pirata, mas era de um filme que procurava há meses e detalhe... Nas lojas só o encontrava em Bluray. Enfim, comprei o DVD e voltei para casa feliz da vida. Até mostrei para minha sobrinha minha aquisição.
Naquela mesma noite assisti o filme e enquanto assistia vi a luz no fim do túnel. No caso era uma chave, mas tudo bem.
O protagonista (No filme) tem um segredo, na verdade, ele faz um pedido e o capeta o atende. O problema é que para manter seu segredo a salvo, ele esconde um objeto no sótão e bem trancado. O cara tem tanto medo que descubram, que ele anda para cima e para baixo com uma chave pendurada no pescoço (A chave abre a porta do sótão).
Na hora que vi aquilo, pausei o DVD e fui escrever antes que a ideia escapasse.
Os objetos mágicos seriam chaves. E como eu gosto de uma coisa meio Senhor dos Anéis. Decidi criar uma chave mais poderosa. Uma chave meio bomba atômica.

Viu! Se você pensou que um escritor tem suas ideias após um momento de reflexão e filosófico. Está enganado... Eu, pelo menos, tenho minhas ideias das formas mais esquisitas possíveis.

Inspiração, curiosidades... Loucura.

A ideia não é a mesma coisa que a inspiração, ao menos pra mim, não.
Por exemplo: Lua Escarlate (Os personagens) foram inspirados na minha família e em alguns amigos. Por isso, todas as loucuras dos Saint-Claire são inspiradas na minha família. Nas nossas conversas e brincadeiras.

Com A Chave Mestra não foi diferente. Não me inspirei na minha família, mas me apoderei de alguns diálogos e piadas.
Como no 1º livro teríamos uma escola como pano de fundo, decidi usar elementos da minha época de estudante. Algumas situações apresentadas no livro realmente aconteceram quando eu era estudante. Tirando, a parte de seres mágicos e feitiços e algumas mortes.
Para que vocês tenham uma ideia. Um dos diálogos no livro foi inteiramente inspirado num diálogo que tive com uma moça, que estudava no meu curso de inglês.
A moça era meio doida e via coisas que não estavam lá. E como ela não conseguia guardar suas suspeitas para si. Achou que seria conveniente dividi-las comigo. O problema é que eu fiquei com medo. Na verdade, eu fiquei revoltada. Era muita mente poluída pro meu gosto.

O diálogo foi mais ou menos assim:

– Você já viu como “fulano” olha pra você? (Detalhe... O fulano era meu professor).
– O quê? – Eu meio que congelei no chão.
– Já viu como “Fulano” olha pra você?
– Não! Não! Não! - Acho que fiquei um minuto falando Não.
– Nunca reparou?
– Não! E nem quero.
– Mas você acha que é ilegal? Eu sei que você é novinha, mas ele também parece novo.
– Eu sei que não é ilegal, mas é doentio e muita falta de respeito. E outra, o “curso” (Na verdade eu falei o nome da escola) deve ter alguma clausula que proíbe esse tipo de comportamento dos funcionários.

Só sei que depois disso fiquei reparando no professor, para tentar captar o que a louca viu, mas não vi nada demais. Ele me tratava igual que todo mundo. A moça tinha problema.
Além de usar pessoas do meu convívio, gosto de pegar gente famosa e colocá-la na trama. Eu sei... É esquisito, mas é aí que o bicho pega.

A bola da vez em A Chave Mestra foi um ator (É o máximo que vou dizer). O mais bizarro (E bota bizarro nisso) é que enquanto escrevia o livro, não tinha feito nenhuma pesquisa sobre o tal ator ou visto alguma entrevista. Foi só depois de terminar de escrever o livro e começar a passá-lo para o PC, que descobri que algumas manias e falas do personagem tinham tudo a ver com o tal ator. Quem é fã do cara (e se um dia pegar o livro), vai pensar que eu pesquisei tudo sobre o dito cujo. E eu até fui premiada com um sinal de nascença. Meu personagem tem um sinal de nascença próximo ao olho direito (Pra dizer a verdade, nem sei porque criei aquilo) e quando fui ver umas fotos do ator, o que eu descubro? Ele também tem o mesmo sinal. Se eu jogar na mega sena, não tenho a mesma sorte.




quarta-feira, 22 de maio de 2013

Capítulo 1 - O Portal - Parte II


– Ei, garoto?
            
Tristan olhou para meu pai e se levantou.
            
– Senhor, eu... – Tristan tentou falar.
            
– Não precisa se desculpar, rapaz. – Disse meu pai sério. – Nós sabíamos que isso um dia iria acontecer. Desde o ano passado quando você completou dezessete, que eu esperava por Rossdale.
            
– Senhor, eu tento... Sabe disso. – Tristan tinha a voz aflita – Mas é mais forte do que eu.
            
– Eu sei. – Parecia que meu pai queria consolá-lo. – É por isso que deve partir. Rossdale vai voltar e não vai ser com meia duzia de soldados.
            
Eu observei meu pai séria. Como assim partir? Tristan é da família, não pode nos deixar.
            
– Troque de roupa. A Sra. Ward já está preparando suas coisas. – Mal meu pai acabou de falar, minha mãe também entrou no quarto.
            
– Tristan. – Ela carregava uma bolsa de couro marrom. – Aqui na bolsa tem dinheiro dos livres e documentos. Fiquei na mansão da Sra. Radcliff. Ela vai lhe dizer para onde deve ir. E quando anoitecer atravesse o portal.
            
Tristan pegou a bolsa.
            
– Senhora, como vou atravessar o portal? Hoje é a primeira...  – Tristan olhou para mim e depois para os meus pais. – Não estarei em condições.
            
– Não se preocupe, dentro da bolsa está o seu tônico. – Tristan abriu a bolsa e de lá tirou uma garrafa de vidro azul. – Beba todo o conteúdo antes de anoitecer. – Tristan arregalou os olhos. – Não se preocupe, eu já verifiquei. Apresse-se! – Disse minha mãe.
            
Tristan caminhou até a porta cabisbaixo e com passos arrastados. Parecia quando ele levou uma surra do filho da Sra. Radcliff.
             
Assim  que  ele se retirou,  fechei a porta e comecei meu discurso.
            
– Ele não pode ir embora. Amanhã é meu aniversário! – Disse quase chorando.
            
– Querida, Tristan tem que ir embora. É perigoso. – Disse meu pai com a voz mansa.
            
– Por que é perigoso? Essa não é a primeira vez que o escondemos. Podemos contratar empregados mais jovens e dar de presente para o Sr. Rossdale.
            
Meu pai começou a rir.
            
– Não estou brincando. É sério! – Disse brava.
            
– Eu sei. – Mas parecia que não, pois ele continuava a rir. – Ter sete anos é uma maravilha. Damos soluções rápidas e simples. O problema querida, é que isso não é tão simples assim. – Meu pai sorriu e me deu um abraço apertado.
            
Não tive outra alternativa a não ser me calar. Nunca fui capaz de contrariar meu pai. Seu jeito calmo me encantava, junto com seus cabelos cor de fogo e seus olhos verdes.
            
Mamãe sempre dizia que eu era sua cópia, com a mesma cor de cabelos e olhos. Apenas minha pele era igual de minha mãe, branco como mármore.
            
Abracei meu pai com força e comecei a chorar.
            
Duas horas mais tarde, Tristan estava arrumado e pronto para partir. Eu e meus pais fomos até o pátio nos despedir.
            
Tristan estava ao lado de Bobby arrumando sua sela. Quando nos viu, ele se virou com um sorriso triste e com os olhos cheios de lágrimas.
            
– Querido, se fosse por nós, você jamais iria embora. – Disse minha mãe.
            
– Eu sei, minha senhora. – Disse Tristan num sussurro. Minha mãe sorriu e o puxou para um abraço.
            
– Boa sorte, rapaz. – Meu pai iria apenas apertar sua mão, mas não resistiu e também lhe deu um abraço.
            
Quando chegou minha vez, eu corri em sua direção e o abracei  com  força.  Tristan  me  pegou no colo  e chorou, e eu o acompanhei.
            
– Não quero que vá embora. – Disse aos prantos. – Por favor, fica!
            
– Se fosse por mim ficaria. – Disse ele com a voz chorosa. – Mas se eu continuar aqui, vou colocar sua família em perigo.
            
– Por quê? – Afastei-me um pouco para olhar seu rosto e para gravar na minha memória aqueles olhos azuis, que sempre me encantaram.
            
– Porque sou diferente, instável e perigoso.
            
– Perigoso? Você é o Tristan! – Ele sorriu e me deu um último abraço. – Eu prometo, um dia vamos nos ver novamente. Afinal, estou te devendo seu presente de aniversário. – Ele beijou o topo da minha cabeça e subiu no pangaré. E sem olhar para trás cavalgou portão a fora.


Fiquei tão triste com a partida de Tristan, que fui para a cama mais cedo. Dispensei até meu chá de canela que mamãe sempre fazia. Após muita briga consegui adormecer. O que não adiantou de nada, pois pouco tempo depois acordei com o som de alguém chamando meu nome.
            
Esfreguei os olhos.
            
– Bettina...
            
Apurei meus ouvidos. Aquela não era a voz de minha mãe.
            
Sentei na cama e olhei para o relógio na parede. Era meia-noite em ponto. Estranho. Acordei nos primeiros segundos do meu oitavo aniversário. Aquilo deveria me alegrar, mas não.
            
Por que Tristan teve que partir? Perigoso? Desde quando aquele magricela era uma ameaça? Só se fosse a um grilo. Nem mesmo a mim, que sou uma pirralha ele mete medo.
            
– Bettina...  – A voz me chamou mais uma vez.
             
Revirei  os  olhos e sai da cama. Abri a porta do quarto e espiei o corredor. Tudo estava deserto. Caminhei na ponta dos pés. Nem mesmo o chão frio, a escada de mármore e o aspecto tenebroso que os corredores da mansão tinham a noite me incomodaram.
            
Desci as escadas em direção a biblioteca. A voz não parava de chamar meu nome. Algo me dizia que deveria dar meia volta e voltar ao meu quarto, mas eu me sentia atraída demais. Era como se não a seguisse morreria.
            
Abri a porta lentamente. Como sempre ela rangeu. Fechei-a rapidamente. Agora a voz estava mais alta. Ela vinha da escrivaninha. Procurei na mesa logo na entrada a caixa de fósforos e ascendi às três velas do castiçal. Depositei a caixa de fósforos de volta a mesa, segurei o castiçal com força e me dirigi à escrivaninha.
            
Estava tão ansiosa que mal conseguia respirar. Fiquei parada diante da escrivaninha e a voz se calou. Senti um arrepio percorrer minha nuca. Soltei um longo suspiro e pensei “Estou aqui e agora?”. E como se o que quer que tenha me atraído até lá pudesse ler meus pensamentos, uma das gavetas da escrivaninha se abriu com um estrondo.
            
Dei um pulo e com passos lentos contornei a escrivaninha. A última gaveta estava totalmente aberta. Aproximei-me com cautela. Coloquei o castiçal sobre a escrivaninha e olhei o que havia na gaveta. Nada. Não havia nada. Incrédula, coloquei minhas mãos em seu interior. Toquei as laterais, o fundo, então dei uma batida no fundo. O som saiu abafado, seco. Havia um fundo falso. Toquei o fundo com mais cuidado, até que encontrei uma divisória. Encostei a ponta dos meus dedos no vão e puxei a tampa. Dentro do compartimento havia um caixa de madeira preta. Peguei-a e abri. Na minha cabeça boba, achei que encontraria ouro, diamantes ou até mesmo chocolate, e não uma chave prateada com uma corrente na ponta e logo abaixo uma pedra vermelha na forma de uma fênix dormindo com o bico embaixo da asa.
           
Soltei um suspiro de frustração e peguei a chave. Ela era grande. Não era uma chave de porta, talvez de um portão, como o da mansão da Sra. Radcliff. Ela parecia ter sido feita de modo artesanal.
            
Ao passar a ponta dos dedos na pedra, os olhos da fênix se abriram. Assustada,  joguei a chave e a caixa no chão. Mesmo caída no chão, a fênix continuava com os olhos abertos, e posso jurar, ela tinha um olhar de censura.
            
Com medo daquele olhar, peguei-a do chão, e logo em seguida ouvi o som dos sinos e o latido dos cães. Caminhei até a janela, afastei um pouco a cortina e olhei o quintal. Aos poucos via a movimentação dos empregados com os cães. Aquela correria parecia muito com o dia em que botei fogo no estábulo. Mas eu sabia que agora não era por causa da peraltice de uma menina, e sim, algo muito mais sério. Como eu sei? Simples. Os soldados de meu pai que passavam embaixo da janela usando suas armaduras vermelhas e espadas.
            
Todas as famílias da pirâmide tinham soldados a sua disposição, caso alguém tentasse atacar. Mais um resquício de tempos antigos.
            
“Hoje será o dia que seremos substituídos. Todos os títulos de minha família foram caçados, e agora Rossdale veio coletar nossas vidas”, pensei.
            
Sai correndo da biblioteca e no meio do caminho trombei com minha mãe.
            
– Onde estava? Procurei por toda a parte, nem em seus pensamento consegui te encontrar. – Minha mãe estava histérica – Precisamos sair daqui. – Então minha mãe viu o que eu segurava na mão.
            
Ela arregalou os olhos e começou a tremer.
            
– Ela falou com você? – Minha mãe perguntou aos gritos.
            
– Ninguém falou comigo. – Respondi sentindo minhas pernas bambas.
           
            
– A chave, Bettina... Ela falou com você? – Agora minha mãe segurava minha mão com força.
            
– Chaves não falam! – Estava a um segundo de chorar.
            
– Ouviu alguém chamar seu nome?
            
Apenas balancei a cabeça.
            
Juro que minha mãe ficou branca feito neve. Parecia que nem respirava. Sem dizer nenhuma palavra, ela pegou a chave das minhas mãos e a colocou em volta do meu pescoço, como um colar.
            
– Preste atenção. – Minha mãe segurou meus ombros. – Esta chave agora te pertence, cuide bem dela.
            
Não sabia o que dizer, apenas concordei com a cabeça.
            
Meia hora após muita correria, eu e meus pais nos dirigíamos a biblioteca. Papai estava sério e preocupado, não sei se era por causa da invasão ou por causa da chave. Quando mamãe contou a ele que a chave me escolheu, meu pai ficou transtornado. Ele dizia coisas como “É culpa daquela maldita bruxa” “Essa maldição” “Agora Rossdale vai matá-la!”. Enquanto minha mãe retrucava com frases “O culpado disso tudo é Rossdale, ou melhor seus antepassados. E quanto a maldição, você já sabia que iria acontecer, mais cedo ou mais tarde”.
            
– Senhor... – Um dos empregados, um senhor bem velho entrou na biblioteca. – A mansão está toda cercada. Os soldados continuam lutando, mas não vão resistir por muito tempo.
            
Meu pai olhou para minha mãe.
            
– Temos que pegar a passagem secreta para a floresta. É o único jeito.
            
– Vamos, o que estamos esperando? – Minha mãe segurou minha mão com força.
            
“O quê? A floresta? Enlouqueceram?” , pensei.
            
Ninguém, ninguém em sã consciência decide fugir pela Floresta Carnutia à noite. Todos sabem que ela é amaldiçoada. Os  fantasmas daqueles que criaram as Terras de Eliyah esperam à espreita, nos cantos mais escuros. Mas parece que meus pais não se importavam com os fantasmas, pois saímos da biblioteca e seguimos em direção a ala dos empregados. Passamos por vários corredores, ao virar à esquerda, próximo à cozinha, eis que surgem os soldados dos Rossdale.
            
Eles usavam uma armadura prateada com o símbolo da casa dos Rossdale. Um lobo cinza. Nunca entendi o por quê desse símbolo? Os Rossdale eram bruxos. Eles representavam a magia dos humanos, nada mais justo do que usar uma pessoa como símbolo. Ao contrário da minha família. Nosso símbolo era uma fênix. Ela representava nossa magia e do que éramos capazes de realizar.
            
Os soldados começaram a nos cercar. Pelos seus rostos, parecia que eles tinham muita confiança de que iriam nos prender. Talvez seja por saberem que somos fênix. As fênix não podem matar seres vivos, vai contra a nossa natureza. Podemos renascer e devolver a vida, mas não tirá-la. Se uma fênix o faz, pode ter certeza, será o seu fim. Não podemos matar, agora nos defender é outra coisa.
            
Quando os primeiros soldados sacaram suas espadas, meus pais também se prepararam para lutar. Minha mãe ergueu  a mão direita e paralisou os soldados, enquanto meu pai os erguia do chão com a ajuda da magia e os atirava contra a parede.
            
– Depressa, antes que eles acordem. – Disse meu pai.
            
Passamos por cima deles e seguimos nosso caminho.
            
Entramos na cozinha e nos aproximamos da parede ao lado do fogão. Meus pais a empurraram como se ela não pesasse nada. Atrás dela havia uma passagem secreta. Apesar de o corredor estar sujo e mal iluminado, entramos. Assim como Tristan, corremos pelo corredor sem olhar para trás.
            
Ele parecia sem fim. Meus pés já estavam cansados de tanto correr. Quando estava prestes a pedir colo ao meu pai, avistamos a floresta.

            
– O portal fica ao final da trilha sul. – Disse meu pai.
            
Minha mãe me pegou no colo e voltamos a correr. Ao longe pude ouvir o som de gritos, latido de cães e as chamas destruindo nossa casa. Aquilo partiu meu coração. Todas as nossas lembranças destruídas, mas isso não era o pior. Nossos empregados seriam – Se tivessem sorte – Escravizados pelas outras famílias da pirâmide.
            
Descemos pela colina e entramos mais ao fundo da floresta. Sempre a avistava da janela do meu quarto e sempre me pareceu linda. Uma floresta cheia de pinheiros. Mas caminhar por ela à noite, e com o som de passos vindo em nossa direção,
conseguiam tirar todo o encanto.
            
Chegamos a uma encruzilhada. Bem ao meio havia uma pedra gigante pintada de vermelho. Logo abaixo haviam algumas palavras escritas. Por causa do tempo mal dava para ler. Ao passar por ela pude ler o início da frase e as últimas cinco palavras. “Do sangue vem a vida... Que a magia se torne real”.
            
Meus pais contornaram a pedra com passos lentos. Pela maneira como eles a olhavam, aquela pedra tinha algo de errado. Após contornarmos a pedra pegamos a trilha sul. Mal voltamos a caminhar e paramos. Meus pais olhavam em todas as direções, como se estivessem prestes a caçar algo.
            
– Querido, está sentindo? – Minha mãe começou a massagear o pescoço, como se algo a estivesse incomodando. – Minha garganta está ardendo, como se eu fosse...
           
  – Sufocar. – Completou meu pai.
            
Os galhos das árvores ao redor da trilha se moveram, sem nem ao menos ter vento, e acompanhado do som de passos arrastados. Então, vindo de todas as direções surgiram cinco figuras vestidas de preto, e todos usavam capuz. Meus pais deram alguns passos para trás.
           
  – Não há para onde fugir. – Disse uma sexta figura. E junto com ela estava o Sr. Rossdale.
            
–  Sr. Ward,  que  tipo  de  anfitrião é?  –  Perguntou o Sr. Rossdale com um sorriso cínico. – Visito um amigo e o que faz? Foge sem nem ao menos dizer olá.
            
Estávamos cercados. Para qualquer lado que escolhêssemos seríamos capturados.
            
Meu pai estava sem ação e minha mãe me apertava com força e eu me agarrava a ela.
           
  – Onde está? – Perguntou a figura encapuzada ao lado do Sr. Rossdale. Pela voz era uma mulher. – Onde está a chave?
            
Arregalei os olhos e olhei para minha mãe. Por instinto minha mão foi em direção a chave pendurada no meu pescoço. Isso tudo era por causa de uma chave falante?
            
– Diga-nos onde ela está? – A figura encapuzada estava irritada.
            
Os outros encapuzados se aproximaram mais. Olhei para o lado e vi o rosto do que estava ao meu lado. Sua pele embora branca, possuía algumas marcas, como chagas. Aquele com certeza era o nosso fim. Nem mesmo meus pais, com todas as suas habilidades seriam capazes de matar seis Zalorvis. Sim, estes nós podemos matar. Afinal, eles já estão mortos. Eles são as criaturas mais sujas existentes em Eliyah. Infectam pessoas inocentes com uma tristeza tão profunda, que elas só encontram alívio no suicídio. E depois disso, eles se alimentam de seus corpos. É nojento.
            
O zalorvi ao meu lado se aproximou e me puxou dos braços da minha mãe. Assustada, soltei um grito desesperado.
            
Logo depois, vindo por detrás das árvores, surge um lobo cinza. Ele saltou no zalorvi que estava atrás de nós e meu pai aproveitou para usar mais uma vez seus poderes. Ele ergueu a mão direita e começo a ressequir o corpo do zalorvi até ele cair no chão, e logo em seguida sua cabeça se separou do corpo.
            
Minha mãe tentou se aproximar do que me segurava, mas com medo de me machucar se deteve. Aquele bicho nojento estava me usando como escudo. Decidi eu mesma me libertar. Segurei sua mão e a mordi com força.
            
Assim que ele me soltou, minha mãe o atacou. Ela me pagou no colo e olhou para meu pai. Ele e o lobo estavam lutando em conjunto. Como grandes amigos. Meu pai olhou para nós, deu um sorriso. Minha mãe concordou com a cabeça e correu para dentro da floresta.
            
– O que estava fazendo? O papai! – Gritei.
            
Minha mãe parou, me colocou no chão e olhou nos meus olhos e disse...
            
– Papai não virá... Somos só nós duas.
            
– Mas...
            
– Mas nada! Temos que chegar ao portal. – Minha mãe segurou minha mão com força e me puxou.
            
Corríamos sem olhar para trás. Em mesmo os galhos dos arbustos nos faziam parar. Meus pés doíam e já não conseguia correr. Então, uma dor forte percorreu meu corpo e se alojou no meu coração. Como se o quisesse partir. E o mais estranho, é que minha mãe parecia sentir a mesma dor. Ela ajoelhou-se com a mão direita sobre o peito e começou a chorar.
            
– Mãe...  – Toquei em seu ombro. – O que houve?
            
Ela olhou para mim com os olhos cheios de lágrima, mas antes que pudesse responder, um uivo de dor e lamento a impediu.
            
– Temos que continuar. – Minha mãe se levantou e continuamos nosso caminho.
            
Caminhamos por um metro e paramos. Minha mãe olhou para trás.
            
– Querida...  – Ela se ajoelhou diante de mim e sorriu. – Você tem que seguir sozinha.
            
– O quê? – Gritei.
            
– Não discuta. – Minha mãe colocou os dedos sobre minha boca. Ela tirou de dentro de sua bota um pedaço de papel. – Este é o endereço do seu tio Andrew e o telefone.
            
Telefone? O que seria isso, uma feiticeira?
            
–  Quando  atravessar  o  portal,  procurei  por  um livre e peça ajuda. Tenho certeza que alguém vai ajudá-la.
            
– Mas como é que vou conjurar o portal? Sou muito jovem. – Perguntei quase chorando.
            
– Use a chave. – Minha mãe a segurou. – Levante-a em direção ao lago e ela se encarregará do resto. – Ela tocou meu rosto. – E Bettina, aconteça o que acontecer, não olhe para trás. E principalmente, nunca se esqueça de proteger essa chave.
            
Concordei com a cabeça e abracei minha mãe com força.
            
– Agora vá. – Corri. Precisava chegar ao portal. Enquanto corria, eu tentava guardar o papel que minha mãe me deu no bolso do meu vestido.
            
Como não conseguia, parei por alguns segundos. Peguei o papel e o guardei. Iria voltar a andar, quando senti mais uma vez uma dor forte pelo corpo e que parou no coração. Mas desta vez foi mais intensa. Era como se eu estivesse morrendo. Não tinha mais forças para correr. A dor era forte demais.
            
Comecei a ouvir passos em minha direção. Levantei-me e olhei para os lados.
            
– Srta. Ward. – Era a voz do Sr. Rossdale – Onde está? Saiba que é inútil fugir. Não quero matar mais uma fênix. Foi lamentável ter que fazer isso com os seus pais. – Coloquei a mão sobre meu coração. Era isso que a dor significava.
            
Dei alguns passos para trás. O Sr. Rossdale se aproximava junto com uma das figuras encapuzadas.
            
Entrei no meio de alguns arbustos. Dei mais alguns passos para trás, já me preparando para correr, quando do nada alguém me pegou por trás e cobriu minha boca para abafar o grito.
            
Seja quem fosse, me levou para longe do Sr. Rossdale. Assim que fui posta no chão, me virei para ver quem era. Nunca imaginei que ficaria tão feliz em ver aquele magricela.
            
– Tristan! – Eu o abracei com força – Você voltou! – E desabei a chorar.
            
Meu choro foi tão compulsivo, que molhei sua camisa. O que não foi ruim, já que ele estava com o ombro ferido.
            
– Está sangrando? – Toquei a camisa na parte manchada.
            
– Não mais. Graças a você. – Tristan tentou sorrir, mas havia tristeza em seus olhos.
            
– Papai e Mamãe. Eles...  – Não completei a frase.
            
– Eu sei. – Tristan secou meu rosto. – Agora não é hora de chorar precisamos atravessar o portal. – Ele segurou minha mão com força. – Por aqui.
            
Andamos devagar e agachados. Não queríamos ser vistos e muito menos que as folhas caídas no chão nos denunciassem. Onde Tristan pisava, eu também pisava. Não estávamos muito distantes. O lago estava a poucos passos, mas havia um problema... Dois soldados de Rossdale estavam na beira do lago. Tristan agachou e cochichou no meu ouvido.
            
– Pequena dama, quero que fique aqui. – Tristan retirou  a bolsa e o casaco que usava. – Vou dar um jeito neles.
            
– Não! – Puxei-o. – Não pode me deixar aqui. Não me deixe sozinha. – Nem terminei de falar e comecei a chorar.
            
Tristan passou a mão no meu rosto e secou as lágrimas.
            
– Eu nunca vou te deixar. É uma promessa. – Ele deu um sorriso. – Fique aqui, feche os olhos e não importa o que ouvir, não os abra. Não sai daqui. Promete?
            
– Prometo. – Tristan parecia tão sério e adulto, que achei melhor não discutir.
            
Fechei os olhos. Ouvi seus passos se afastando e alguns segundos depois ouvi os gritos dos soldados. Eles pareciam lutar contra algo, mas seja o que fosse era muito difícil de derrotar.
            
Então ouvi um baque, como de algo caindo e bem ao meu lado.
            
Abri meus olhos com tudo e dei de cara com um dos soldados. Ele estava caído com os olhos bem abertos e com a garganta dilacerada.
            
Soltei um grito e sai do meu esconderijo, bem a tempo de ver  o  outro  sendo  morto  por  um  lobo  cinza . Assim  como o primeiro, ele também teve a garganta dilacerada.
            
Ao largar o soldado, o lobo olhou para mim. E o mais louco, é que seus olhos eram azuis, mas não era um azul comum. Eles me lembravam os de Tristan.
            
– Tristan? – Olhei para o lobo. Devo ter enlouquecido, mas o lobo me lembrava aquele magricela.
            
O lobo deu alguns passos em minha direção e começou a rosnar. Certo, ele não é o Tristan. Agora eu viraria jantar de lobo.
            
– Pequena dama! – Ouvi a voz de Tristan ao longe e parece que o lobo também. Ele olhou em direção a voz. – Pequena dama?
            
Olhei mais uma vez para trás e logo em seguida para o lobo. Não sabia o que fazer. Se correr o lobo me pega, se ficar Tristan vai ficar furioso. Por algum motivo inexplicável, o lobo começou a recuar e entrou no meio da floresta.
            
– Onde está? – Agora Tristan parecia mais perto.
            
Corri para meu esconderijo e gritei.
            
– Aqui!
           
  Não demorou muito para nos encontrarmos.
           
  – O que foi que eu disse? – Ele olhou para mim sério.
            
– Não sair do meu lugar.
            
– Se não estivesse com pressa até perderia meu tempo brigando com você, mas ele está curto e precisamos atravessar o portal. – Ele me puxou pelo braço.
            
– Você viu... Um lobo matou os soldados? – Disse enquanto era puxada.
            
– Vi. Por isso voltei para te buscar. Mas você sumiu. – Ele se virou para ver o meu rosto e foi nesse momento que viu a chave no meu pescoço. – O quê? – Ele a tocou. E assim como meus pais, ficou branco como neve.
            
– Essa chave falou comigo e parece que Sr. Rossdale está atrás dela. – Tristan iria dizer algo, mas se calou ao ouvir passos vindo em nossa direção.
           
            
– Vamos, pequena dama. – Ele me puxou pela mão e voltamos a caminhar. Tínhamos que chegar ao meio do lago. Ele estava a apenas alguns passos, mas paramos novamente. O Sr. Rossdale se aproximava. Ele conversava com alguém praticamente aos berros.
            
– Você é uma incompetente, Indra! É isso que ganho ao dar ouvidos a uma zalorvi!
            
– Meu senhor!
            
– Não quero as suas desculpas. Sabe o quanto isso era importante para mim. Estou procurando há quase dezoito anos.
            
– Meu senhor! – Agora Indra ficou zangada. – A chave está aqui!
            
– O quê? – Rossdale deu um grito.
            
– Pequena dama, hora de correr. – Tristan me pegou no colo e correu em direção ao lago.
            
– Enlouqueceu? Você não pode conjurar o portal. Eu tenho que fazer. – Levantei a chave para mostrar, mas fui ignorada.
            
Ele me colocou na beira do lago, bem no meio. Respirou fundo, levantou a mão direita, fechou os olhos e começou a murmurar algo. Exatamente como meus pais faziam.
            
A água do lago começou a se agitar e logo uma luz vinda do horizonte se aproximou, tocou a superfície do lago e afundou. Logo em seguida a água se agitou mais, até uma fenda,  como uma porta começar a se abrir.
            
– Você é mágico! Não é um livre. Por que mentiu?
            
– Eu precisava. – Respondeu Tristan sério.
            
– E como! – Disse uma voz grossa a nossas costas.
            
Nós nos viramos em direção ao Sr. Rossdale.
            
– Sabe... Eu sempre soube que você era real. – Ele apontou para Tristan – Mas nunca imaginei que fosse um rapazote. – O Sr. Rossdale tinha um sorriso de triunfo. – Você é igualzinho a sua mãe.
            
–   Olhe!  –  Indra  apontou para o meu peito.  E  logo em seguida Tristan me escondeu atrás dele.
            
– Como pode protegê-la? – Rossdale ficou furioso. – Sabe o que ela é, e mesmo assim... Entregue a garota!
            
– Não! – Com um movimento rápido Tristan conjurou a magia, algo que nunca tinha visto antes. Ele fez com que a água do lago se movesse e envolvesse Rossdale. Indra tentou se aproximar, mas foi erguida no ar pelo vento, que não sei de onde surgiu. Com uma das mãos Tristan mantinha o feitiço sobre os dois, e com a outra,  ele terminava de conjurar o portal.
            
Agora a fenda estava maior e já podíamos ver um campo verde, com algumas roseiras e uma velha árvore do outro lado. Tristan parou o feitiço e segurou na minha mão.
            
– É agora! – Corremos em direção a porta.
            
O outro lado já parecia pequeno atrás de mim, mas antes que eu pudesse por meus pés do outro lado, uma mão segurou meu braço e me puxou de volta.
            
– Volte aqui! Você e a chave não vão a lugar nenhum.
            
– Me solta! – Eu tentava me soltar, mas Indra era muito forte.
            
– Pequena dama! – Tristan e  Indra faziam de mim um cabo de guerra. Puxando-me de ambos os lados.
            
Não sei se foi por causa da magia realizada, mas Tristan estava sem forças. Ele tentava me levar para o outro lado, mas sentia que estava escapando de seus dedos.
            
Indra já estava quase conseguindo me levar de volta. Agora podia ver novamente Rossdale, e que por sinal estava furioso. Quando senti sua mão segurar a de Indra, meu desespero aumento, ainda mais quando Tristan tentou me puxar de volta e Rossdale lançou nele um feitiço, deixando caído no chão sem se mover. A mesma dor que senti no meu coração voltou com mais força e desejei do fundo da minha alma apagar aquela noite das minhas lembranças.
            
Então uma onda de calor percorreu meu corpo e minha pele  ganhou uma aura vermelha e alguns segundos depois Indra e Rossdale estavam em chamas, junto comigo. Meu corpo todo estava em chamas. Mas não foi isso que me assustou, e sim, a chave que brilhava e a fênix que me olhava com seus olhos dourados. Gritei e logo em seguida senti um solavanco e tudo ficou escuro.

Capítulo 1 - O Portal - Parte I


Com passos lentos eu me aproximava da minha presa. Ele estava de costas e distraído com o trabalho.

Meus pés pequenos nem tocavam o chão. Hoje mostraria do que era capaz. Nada de vacilar. Repetia sem parar o pensamento “Sou o máximo!” “Sou o máximo!”.

Dei a volta na mesa, que por sinal estava abarrotada de ferraduras. Olhei à direita e vi aquele pangaré que meu pai chama de cavalo. Ele era branco com uma crina longa e sedosa. Bobby deu uma espiada em mim e bufou.

 Lancei lhe um olhar zangado. “Só falta você me denunciar, seu pangaré metido”, pensei.  Por sorte as bufadas de Bobby não conseguiram alertar minha presa, que continuava distraído.

 Continuei caminhando e parei a apenas alguns passos. Estiquei meus braços e preparei minhas mãos para o ataque. Estava elétrica. Finalmente mostraria quem é o máximo e esse alguém era eu, claro!
 O diabinho dentro de mim estava enlouquecido. Comecei a contar mentalmente. Três, dois, um e...

–  Peguei você, danadinha! – Tristan se virou com tudo e me pegou no colo.

– Ah, não! – Disse decepcionada. Tristan me abraçava e me dava beijos no rosto.

– Sai! Você está suado. – Disse ao empurrá-lo. – Como sabia que estava atrás de você?
 Tristan sorriu e me colocou no chão.

– Tenho olhos na nuca.

– Você vai ver... Deixa eu crescer que vou te dar uma lição.

– Mas não se esqueça de que quando crescer, eu também vou. – Tristan deu mais um sorriso. – E até lá, conforme-se com seus sete anos, pequena dama.

– Não se esqueça de que tenho quase oito. – Retruquei com a voz petulante. – E você não vai mais crescer, já está com dezessete anos. Virou um velho ranzinza.

– Ainda bem que a pequena dama me lembrou. – Tristan sorriu, esticou o braço e bagunçou meus cabelos. – Agora preciso voltar ao trabalho.

– Posso ficar? – Perguntei esperançosa. Desde que botei fogo no estabulo, fui proibida de ajudar Tristan com os cavalos.

 Tristan suspirou, olhou bem para mim. Para persuadi-lo deu meu melhor sorriso de menina educada.

 – Pode ficar. – Dei um pulo e gritei, mas ele chamou minha atenção. – Você vai ficar, desde que se sente ao lado do Bobby.

 Olhei para o pangaré albino. Ao seu lado havia um banquinho de madeira.

 – Está brincando, certo? – Olhei feio para Tristan.

– Não. – Ele cruzou os braços. – Não vou arriscar de novo. Seu pai foi direto... Nada de deixar Srta. Bettina Ward no estabulo sem supervisão.

Fechei a cara. Ele sabia muito bem que odeio quando me chamam pelo meu nome completo.

–  Então, o que vai ser? Banquinho ou casa? – Tristan me observava com um olhar petulante.
           
– Banquinho. – Respondi num sussurro.
            
– O quê? – Ele colocou a mão atrás da orelha, para fingir que não escutou.
           
– Banquinho. – Repeti.
            
– Sábia decisão, Srta. Bettina Ward.
            
Fechei a cara e lentamente caminhei em direção ao banquinho.
            
Ficar ao lado daquele pangaré albino e fedido não me agradava.
            
Tristan continuou trabalhando. De vez em quando ele me lançava um sorriso ou uma piscadela. Eu o adorava. Ele era como meu irmão mais velho, embora não fosse.
            
Tristan morava em nossa mansão desde que nasceu. Sua mãe morreu logo após seu nascimento. Ela pareceu numa noite chuvosa procurando abrigo. Meu pai com pena, a ajudou. Mas infelizmente no dia seguinte ela partia e deixava um bebê lindo e gordinho. Bem, é isso que minha mãe sempre conta.
            
Tristan não era um empregado ou um livre nas Terras de Eliyah. Para nós ele era da família. O irmão mais velho que importuno. E devo salientar que tenho um irmão muito lindo. Ao menos ele é mais bonito do que os velhos que trabalham na mansão. Talvez seja o sorriso bobo, ou os cabelos escuros, ou a altura, ou os olhos azuis como o céu. Seja o que for a mulherada vive comendo-o com os olhos. É como diz o ditado “Em terra de cego quem tem um olho é rei”.
            
E falando em rei. Os sinos da capela começaram a tocar. E isso significava uma só coisa: Alguém da mansão Rossdale estava a caminho.
           
Sr. Charles Rossdale era o governante da região e basta saber que ninguém simpatiza com ele. Afinal, sua eleição foi suspeita. Até agora não há uma explicação para sua vitória arrasadora de sessenta e sete porcento dos votos contra os trinta porcento da Sra. Abigail Radcliff.

 – Tristan! Tristan! – Minha mãe entrou no estabulo com tudo.
            
– Minha senhora. – Tristan fez uma reverência.
            
– Não há tempo para isso. – Minha mãe segurou seus ombros e o ergueu. – Precisa se esconder.
            
– Por quê? – Tristan tinha um olhar preocupado.
            
– Sr. Rossdale está no portão com um mandato do juiz. Ele vai vasculhar a propriedade.
            
– Mas minha senhora, ele não pode, seu marido não está em casa. É contra a lei vasculhar a propriedade quando só há as damas.
            
– Tem razão. – Minha mãe soltou um suspiro de alivio.
            
– Mas mãe se ele tem um mandato do juiz, ele pode vasculhar a casa. – E foi só então que minha mãe notou minha presença. – Mande Tristan ficar no meu quarto.
            
Minha mãe franziu a testa.
            
– Seu quarto?
            
– Sim. Meu quarto, embaixo da cama, que por acaso tem um alçapão.
            
Nossa casa era cheia de alçapões e passagens secretas. Vestígios de uma época em que pessoas como nós eram perseguidos por aqueles que não nos entendiam.
            
Minha mãe deu um sorriso de satisfação.
            
– Brilhante ideia, pequena dama. – Tristan sorriu.
            
– Bettina, leve Tristan até seu quarto, fiquem escondidos e haja o que houver, não abram a porta. Andem, rápido!
            
Levantei-me num salto e arrastei Tristan. Corríamos o mais rápido possível.
            
Entramos na mansão pela ala dos empregados, na cozinha para ser mais exata. A Sra. Cast estava cortando peças de porco e jogando numa vasilha de barro. Aposto que aquele era seu tempero secreto. O qual ela não revelava nem sob tortura. O cheiro era convidativo. Se não estivéssemos com tanta pressa, eu ficaria e beliscava algo.

Saímos da cozinha e seguimos por um longo corredor. Viramos à direita, depois à esquerda e depois mais um corredor que terminava na escadaria de mármore.
            
Tristan me pegou no colo e subiu os degraus de dois em dois. Meu quarto ficava à esquerda.
            
– Me põe no chão. – Tristan obedeceu. Abri a porta com tudo – Vem.
            
Fechei a porta.
            
– Empurre a cama. – Tristan a empurrou e logo em seguida puxou a alça do alçapão.
            
– Droga!
            
– O que foi? – Perguntei preocupada.
            
– Não há espaço para os dois. – Olhei o alçapão. Ele era muito estreito. – Onde vai se esconder?
            
– Vou fingir que estou dormindo. Anda, rápido! – Disse agitada.
            
Tristan não gostou muito da ideia, mas obedeceu.
            
Assim que ele entrou em seu esconderijo, fechei a porta e coloquei a cama no lugar. O que não foi fácil. Era uma cama feita de madeira maciça e meu tamanho e força não colaboravam.
            
Dei uma última olhada se tudo estava no lugar, mas antes de deitar na cama, procurei mentalmente por minha mãe. Ela estava na sala e aflita.
            
“Mãe? Mãe” – Ela parou seus pensamentos e se concentrou na minha voz.
            
“O que foi, querida?”.
            
“O alçapão não era grande o bastante e apenas Tristan se escondeu. Eu vou ficar na cama e fingir que estou dormindo. Sr. Rossdale não ousará entrar no quarto”.
            
“Ah, querida” – Minha mãe suspirou. – “Não tenho tanta certeza sobre isso”.
            
Minha mãe deu mais um suspiro e cortou nossa conversa mental.
           
Às vezes eu e meu pai ficávamos horas contando piadas um para o outro através dos nossos pensamentos. E é claro, mamãe sempre desaprovava. Ela dizia que nossa magia deveria ser usada em ocasiões de extrema necessidade. Como agora.
            
Deitei na cama e me cobri com a colcha. Tudo estava silencioso, mas eu estava atenta para qualquer movimento do lado de fora. Tomara que meu plano dê certo.
            
De tempos em tempos precisamos esconder alguns empregados, principalmente os mais jovens. Algumas famílias mais abastadas gostam de fazer visitas surpresas e levar algum empregado de outra família.
            
Minha família já foi uma das mais ricas e influentes das Terras de Eliyah. Mas após o irmão mais velho de meu pai jogar o nome da família na lama, ao se casar com a filha mais nova dos McCauley, os títulos dos Ward foram caçados pelos Rossdale, e agora nossa família estava na rabeira da cadeia alimentar.
           
  Nas Terras de Eliyah (Hoje em dia) existem onze famílias influentes. No topo estão os Rossdale e Weiss. No meio estão os Shear, Harvey, Hilliard, Vince, Radcliff, Delac, Wood e Rea. E no fundo os Ward.
           
  Isso parece uma coisa à toa, mas o fundo já foi ocupado pelos McCauley, que eram considerados como a escória entre nós. Eles não eram bruxos ou criaturas mágicas. Eles eram descendentes de algo que já foi idolatrado pelos homens livres, e que agora não passava de lenda.
           
  Nas Terras de Eliyah haviam várias leis e uma delas dizia que nenhum ser mágico deveria misturar seu sangue com o de outro, que não fosse de sua própria espécie. Um crime tão grave, que era punido com a morte. Mas meu tio Andrew não quis ouvir os alertas e se casou com uma McCauley. Quando as outras famílias descobriram, tentaram separá-los, mas já era tarde demais. O sangue dos Ward e McCauley já havia se misturado.

Desesperado, meu tio fugiu para a Terra dos Livres com a esposa e o filho não nascido. Por causa disso, os McCauley foram aniquilados e minha família desonrada. Só não tivemos o mesmo destino, porque meu avô jurou de pé junto que não sabia da traição do filho. O que era verdade. Agora já não posso dizer o mesmo de meu pai. Ele não só sabia, como ajudou o irmão a escapar. Então se não tomarmos cuidado podemos ser eliminados.
            
Ouvi a voz de minha mãe do lado de fora.
            
– Por favor, Sr. Rossdale, O que procura? – Ela parecia mais aflita do que antes.
            
– O que há atrás desta porta? – Ouvi uma voz grossa do lado de fora.
            
– É o quarto da minha filha. – Ouvi a maçaneta se mover.
            
“Que audácia”, pensei.
           
  – Não pode entrar! Ela está dormindo! – A voz de minha mãe se elevou.
            
Não passou muitos segundos e ouvi minha mãe gritar. Levantei da cama num salto e me aproximei da porta.
            
– Quem pensa que é para falar comigo dessa maneira? – Não gostei do timbre daquela voz. Ela estava carregada de ódio. – Sou seu governante e me deve respeito. Cuidado, Sra. Ward, posso rebaixar ainda mais sua família.
            
Tinha que controlar o impulso para sair do quarto, e ao que tudo indica, Tristan também. Ele saíra de seu esconderijo e agora estava parado ao meu lado, sério e com um olhar carregado de raiva. Ele fechava suas mãos com tanta força, que os músculos de seus braços tremiam.
            
– O que está acontecendo aqui? – Fechei meus olhos e respirei aliviada. Meu pai tinha voltado.
            
– Sr. Ward. – Agora havia cinismo na voz. – Estou apenas procurando algo. Acho que sabe o quê?
            
– Não sei do que está falando. – A voz de meu pai tremeu.

– Sabe sim. Até quando acha que vai esconder isso de mim?
            
– O que procura não existe. É apenas uma lenda. Que tipo de governante aterroriza seu povo correndo atrás de um conto de fadas?
            
– Fadas? Não seria uma bruxa muito maluca? – Rossdale riu.
            
Após a pergunta houve um silêncio mortal. Fiquei frustrada e encostei a orelha na porta, na tentativa de ouvir algo. Até recorri aos meus dons, mas ao que tudo indica meus pais não me queria bisbilhotando a conversa. O único som que havia era a respiração pesada de Tristan ao meu lado.
            
De repente ouvi passos no corredor.
            
– Senhor, já vasculhamos tudo, não há nada.
            
A maçaneta se moveu mais uma vez. Eu e Tristan demos alguns passos para trás.
            
– Não pensem que isso acabou. – A voz de Rossdale parecia frustrada. – Mais cedo ou mais tarde, vou ter o que quero. É um direito meu.
            
Ouvi passos se distanciando. Corri até a janela do meu quarto. Poucos minutos depois vejo um homem de cabelos escuros, alto e com um andar elegante. O Sr. Rossdale podia ser um tirano, mas o homem tinha presença, isso eu não podia negar. Junto com ele saíram seus... Soldados! Ele não veio para levar um empregado,  e sim, realizar uma prisão.
            
– Ele veio prender alguém. – Disse, mas não obtive resposta. Olhei para trás e vi Tristan sentado no chão encostado na parede e com as mãos na cabeça.
            
Caminhei até ele.
            
– Tristan, o que houve? – Mais uma vez não tive resposta.
           
  Estava prestes a chacoalhá-lo, quando meu pai entrou no quarto. Ele ficou parado ao lado da porta por alguns segundos, até suspirar e tocar Tristan no ombro.

PS: Por ser longo o capítulo foi dividido em duas partes.