– Ei, garoto?
Tristan
olhou para meu pai e se levantou.
–
Senhor, eu... – Tristan tentou falar.
–
Não precisa se desculpar, rapaz. – Disse meu pai sério. – Nós sabíamos que isso
um dia iria acontecer. Desde o ano passado quando você completou
dezessete, que eu esperava por Rossdale.
–
Senhor, eu tento... Sabe disso. – Tristan tinha a voz aflita – Mas é mais forte
do que eu.
–
Eu sei. – Parecia que meu pai queria consolá-lo. – É por isso que deve partir.
Rossdale vai voltar e não vai ser com meia duzia de soldados.
Eu
observei meu pai séria. Como assim partir? Tristan é da família, não pode nos
deixar.
–
Troque de roupa. A Sra. Ward já está preparando suas coisas. – Mal meu pai
acabou de falar, minha mãe também entrou no quarto.
–
Tristan. – Ela carregava uma bolsa de couro marrom. – Aqui na bolsa tem
dinheiro dos livres e documentos. Fiquei na mansão da Sra. Radcliff. Ela vai
lhe dizer para onde deve ir. E quando anoitecer atravesse o portal.
Tristan
pegou a bolsa.
–
Senhora, como vou atravessar o portal? Hoje é a primeira... – Tristan olhou para mim e depois para os
meus pais. – Não estarei em condições.
–
Não se preocupe, dentro da bolsa está o seu tônico. – Tristan abriu a bolsa e
de lá tirou uma garrafa de vidro azul. – Beba todo o conteúdo antes de
anoitecer. – Tristan arregalou os olhos. – Não se preocupe, eu já verifiquei.
Apresse-se! – Disse minha mãe.
Tristan
caminhou até a porta cabisbaixo e com passos arrastados. Parecia quando ele
levou uma surra do filho da Sra. Radcliff.
Assim
que ele se retirou, fechei a porta e comecei meu discurso.
–
Ele não pode ir embora. Amanhã é meu aniversário! – Disse quase chorando.
–
Querida, Tristan tem que ir embora. É perigoso. – Disse meu pai com a voz
mansa.
–
Por que é perigoso? Essa não é a primeira vez que o escondemos. Podemos
contratar empregados mais jovens e dar de presente para o Sr. Rossdale.
Meu
pai começou a rir.
–
Não estou brincando. É sério! – Disse brava.
–
Eu sei. – Mas parecia que não, pois ele continuava a rir. – Ter sete anos é uma
maravilha. Damos soluções rápidas e simples. O problema querida, é que isso não
é tão simples assim. – Meu pai sorriu e me deu um abraço apertado.
Não
tive outra alternativa a não ser me calar. Nunca fui capaz de contrariar meu
pai. Seu jeito calmo me encantava, junto com seus cabelos cor de fogo e seus
olhos verdes.
Mamãe
sempre dizia que eu era sua cópia, com a mesma cor de cabelos e olhos. Apenas
minha pele era igual de minha mãe, branco como mármore.
Abracei
meu pai com força e comecei a chorar.
Duas
horas mais tarde, Tristan estava arrumado e pronto para partir. Eu e meus pais
fomos até o pátio nos despedir.
Tristan
estava ao lado de Bobby arrumando sua sela. Quando nos viu, ele se virou com um
sorriso triste e com os olhos cheios de lágrimas.
–
Querido, se fosse por nós, você jamais iria embora. – Disse minha mãe.
–
Eu sei, minha senhora. – Disse Tristan num sussurro. Minha mãe sorriu e o puxou
para um abraço.
–
Boa sorte, rapaz. – Meu pai iria apenas apertar sua mão, mas não resistiu e
também lhe deu um abraço.
Quando
chegou minha vez, eu corri em sua direção e o abracei com
força. Tristan me
pegou no colo e chorou, e eu o acompanhei.
–
Não quero que vá embora. – Disse aos prantos. – Por favor, fica!
–
Se fosse por mim ficaria. – Disse ele com a voz chorosa. – Mas se eu continuar
aqui, vou colocar sua família em perigo.
–
Por quê? – Afastei-me um pouco para olhar seu rosto e para gravar na minha
memória aqueles olhos azuis, que sempre me encantaram.
–
Porque sou diferente, instável e perigoso.
–
Perigoso? Você é o Tristan! – Ele sorriu e me deu um último abraço. – Eu
prometo, um dia vamos nos ver novamente. Afinal, estou te devendo seu presente
de aniversário. – Ele beijou o topo da minha cabeça e subiu no pangaré. E sem
olhar para trás cavalgou portão a fora.
Fiquei
tão triste com a partida de Tristan, que fui para a cama mais cedo. Dispensei
até meu chá de canela que mamãe sempre fazia. Após muita briga consegui
adormecer. O que não adiantou de nada, pois pouco tempo depois acordei com o
som de alguém chamando meu nome.
Esfreguei
os olhos.
–
Bettina...
Apurei
meus ouvidos. Aquela não era a voz de minha mãe.
Sentei
na cama e olhei para o relógio na parede. Era meia-noite em ponto. Estranho.
Acordei nos primeiros segundos do meu oitavo aniversário. Aquilo deveria me
alegrar, mas não.
Por
que Tristan teve que partir? Perigoso? Desde quando aquele magricela era uma
ameaça? Só se fosse a um grilo. Nem mesmo a mim, que sou uma pirralha ele mete
medo.
–
Bettina... – A voz me chamou mais uma
vez.
Revirei
os olhos e sai da cama. Abri a
porta do quarto e espiei o corredor. Tudo estava
deserto. Caminhei na ponta dos pés. Nem mesmo o chão frio, a escada de mármore
e o aspecto tenebroso que os corredores da mansão tinham a noite me
incomodaram.
Desci
as escadas em direção a biblioteca. A voz não parava de chamar meu nome. Algo
me dizia que deveria dar meia volta e voltar ao meu quarto, mas eu me sentia
atraída demais. Era como se não a seguisse morreria.
Abri
a porta lentamente. Como sempre ela rangeu. Fechei-a rapidamente. Agora a voz
estava mais alta. Ela vinha da escrivaninha. Procurei na mesa logo na entrada a
caixa de fósforos e ascendi às três velas do castiçal. Depositei a caixa de
fósforos de volta a mesa, segurei o castiçal com força e me dirigi à
escrivaninha.
Estava
tão ansiosa que mal conseguia respirar. Fiquei parada diante da escrivaninha e
a voz se calou. Senti um arrepio percorrer minha nuca. Soltei um longo suspiro
e pensei “Estou aqui e agora?”. E como se o que quer que tenha me
atraído até lá pudesse ler meus pensamentos, uma das gavetas da escrivaninha se
abriu com um estrondo.
Dei
um pulo e com passos lentos contornei a escrivaninha. A última gaveta estava
totalmente aberta. Aproximei-me com cautela. Coloquei o castiçal sobre a
escrivaninha e olhei o que havia na gaveta. Nada. Não havia nada. Incrédula,
coloquei minhas mãos em seu interior. Toquei as laterais, o fundo, então dei
uma batida no fundo. O som saiu abafado, seco. Havia um fundo falso. Toquei o
fundo com mais cuidado, até que encontrei uma divisória. Encostei a ponta dos
meus dedos no vão e puxei a tampa. Dentro do compartimento havia um caixa de
madeira preta. Peguei-a e abri. Na minha cabeça boba, achei que encontraria
ouro, diamantes ou até mesmo chocolate, e não uma chave prateada com uma
corrente na ponta e logo abaixo uma pedra vermelha na forma de uma fênix
dormindo com o bico embaixo da asa.
Soltei
um suspiro de frustração e peguei a chave. Ela era grande. Não era uma chave de
porta, talvez de um portão, como o da mansão da Sra. Radcliff. Ela parecia ter
sido feita de modo artesanal.
Ao
passar a ponta dos dedos na pedra, os olhos da fênix se abriram.
Assustada, joguei a chave e a caixa no
chão. Mesmo caída no chão, a fênix continuava com os olhos abertos, e posso
jurar, ela tinha um olhar de censura.
Com
medo daquele olhar, peguei-a do chão, e logo em seguida ouvi o som dos sinos e
o latido dos cães. Caminhei até a janela, afastei um pouco a cortina e olhei o
quintal. Aos poucos via a movimentação dos empregados com os cães. Aquela
correria parecia muito com o dia em que botei fogo no estábulo. Mas eu sabia
que agora não era por causa da peraltice de uma menina, e sim, algo muito mais
sério. Como eu sei? Simples. Os soldados de meu pai que passavam embaixo da
janela usando suas armaduras vermelhas e espadas.
Todas
as famílias da pirâmide tinham soldados a sua disposição, caso alguém tentasse
atacar. Mais um resquício de tempos antigos.
“Hoje
será o dia que seremos substituídos. Todos os títulos de minha família foram
caçados, e agora Rossdale veio coletar nossas vidas”, pensei.
Sai
correndo da biblioteca e no meio do caminho trombei com minha mãe.
–
Onde estava? Procurei por toda a parte, nem em seus pensamento consegui te
encontrar. – Minha mãe estava histérica – Precisamos sair daqui. – Então minha
mãe viu o que eu segurava na mão.
Ela
arregalou os olhos e começou a tremer.
–
Ela falou com você? – Minha mãe perguntou aos gritos.
–
Ninguém falou comigo. – Respondi sentindo minhas pernas bambas.
–
A chave, Bettina... Ela falou com você? – Agora minha mãe segurava minha mão
com força.
–
Chaves não falam! – Estava a um segundo de chorar.
–
Ouviu alguém chamar seu nome?
Apenas
balancei a cabeça.
Juro
que minha mãe ficou branca feito neve. Parecia que nem respirava. Sem dizer
nenhuma palavra, ela pegou a chave das minhas mãos e a colocou em volta do meu
pescoço, como um colar.
–
Preste atenção. – Minha mãe segurou meus ombros. – Esta chave agora te
pertence, cuide bem dela.
Não
sabia o que dizer, apenas concordei com a cabeça.
Meia
hora após muita correria, eu e meus pais nos dirigíamos a biblioteca. Papai
estava sério e preocupado, não sei se era por causa da invasão ou por causa da
chave. Quando mamãe contou a ele que a chave me escolheu, meu pai ficou
transtornado. Ele dizia coisas como “É culpa daquela maldita bruxa” “Essa
maldição” “Agora Rossdale vai matá-la!”. Enquanto minha mãe retrucava com
frases “O culpado disso tudo é Rossdale, ou melhor seus antepassados. E
quanto a maldição, você já sabia que iria acontecer, mais cedo ou mais tarde”.
–
Senhor... – Um dos empregados, um senhor bem velho entrou na biblioteca. – A
mansão está toda cercada. Os soldados continuam lutando, mas não vão resistir
por muito tempo.
Meu
pai olhou para minha mãe.
–
Temos que pegar a passagem secreta para a floresta. É o único jeito.
–
Vamos, o que estamos esperando? – Minha mãe segurou minha mão com força.
“O
quê? A floresta? Enlouqueceram?” , pensei.
Ninguém,
ninguém em sã consciência decide fugir pela Floresta Carnutia à noite. Todos
sabem que ela é amaldiçoada. Os
fantasmas daqueles que criaram as Terras de Eliyah esperam à espreita, nos cantos mais
escuros. Mas parece que meus pais não se importavam com os fantasmas, pois
saímos da biblioteca e seguimos em direção a ala dos empregados. Passamos por
vários corredores, ao virar à esquerda, próximo à cozinha, eis que surgem os
soldados dos Rossdale.
Eles
usavam uma armadura prateada com o símbolo da casa dos Rossdale. Um lobo cinza.
Nunca entendi o por quê desse símbolo? Os Rossdale eram bruxos. Eles
representavam a magia dos humanos, nada mais justo do que usar uma pessoa como símbolo.
Ao contrário da minha família. Nosso símbolo era uma fênix. Ela representava
nossa magia e do que éramos capazes de realizar.
Os
soldados começaram a nos cercar. Pelos seus rostos, parecia que eles tinham
muita confiança de que iriam nos prender. Talvez seja por saberem que somos
fênix. As fênix não podem matar seres vivos, vai contra a nossa natureza.
Podemos renascer e devolver a vida, mas não tirá-la. Se uma fênix o faz, pode
ter certeza, será o seu fim. Não podemos matar, agora nos defender é outra
coisa.
Quando
os primeiros soldados sacaram suas espadas, meus pais também se prepararam para
lutar. Minha mãe ergueu a mão direita e
paralisou os soldados, enquanto meu pai os erguia do chão com a ajuda da magia
e os atirava contra a parede.
–
Depressa, antes que eles acordem. – Disse meu pai.
Passamos
por cima deles e seguimos nosso caminho.
Entramos
na cozinha e nos aproximamos da parede ao lado do fogão. Meus pais a empurraram
como se ela não pesasse nada. Atrás dela havia uma passagem secreta. Apesar de
o corredor estar sujo e mal iluminado, entramos. Assim como Tristan, corremos
pelo corredor sem olhar para trás.
Ele
parecia sem fim. Meus pés já estavam cansados de tanto correr. Quando estava
prestes a pedir colo ao meu pai, avistamos a floresta.
–
O portal fica ao final da trilha sul. – Disse meu pai.
Minha
mãe me pegou no colo e voltamos a correr. Ao longe pude ouvir o som de gritos,
latido de cães e as chamas destruindo nossa casa. Aquilo partiu meu coração.
Todas as nossas lembranças destruídas, mas isso não era o pior. Nossos
empregados seriam – Se tivessem sorte – Escravizados pelas outras famílias da
pirâmide.
Descemos
pela colina e entramos mais ao fundo da floresta. Sempre a avistava da janela
do meu quarto e sempre me pareceu linda. Uma floresta cheia de pinheiros. Mas
caminhar por ela à noite, e com o som de passos vindo em nossa direção,
conseguiam tirar todo o encanto.
Chegamos
a uma encruzilhada. Bem ao meio havia uma pedra gigante pintada de vermelho.
Logo abaixo haviam algumas palavras escritas. Por causa do tempo mal dava para
ler. Ao passar por ela pude ler o início da frase e as últimas cinco palavras.
“Do sangue vem a vida... Que a magia se torne real”.
Meus
pais contornaram a pedra com passos lentos. Pela maneira como eles a olhavam,
aquela pedra tinha algo de errado. Após contornarmos a pedra pegamos a trilha
sul. Mal voltamos a caminhar e paramos. Meus pais olhavam em todas as direções,
como se estivessem prestes a caçar algo.
–
Querido, está sentindo? – Minha mãe começou a massagear o pescoço, como se algo
a estivesse incomodando. – Minha garganta está ardendo, como se eu fosse...
–
Sufocar. – Completou meu pai.
Os
galhos das árvores ao redor da trilha se moveram, sem nem ao menos ter vento, e
acompanhado do som de passos arrastados. Então, vindo de todas as direções
surgiram cinco figuras vestidas de preto, e todos usavam capuz. Meus pais deram
alguns passos para trás.
–
Não há para onde fugir. – Disse uma sexta figura. E junto com ela estava o Sr.
Rossdale.
– Sr. Ward,
que tipo de
anfitrião é? – Perguntou o Sr. Rossdale com um sorriso cínico. –
Visito um amigo e o que faz? Foge sem nem ao menos dizer olá.
Estávamos
cercados. Para qualquer lado que escolhêssemos seríamos capturados.
Meu
pai estava sem ação e minha mãe me apertava com força e eu me agarrava a ela.
–
Onde está? – Perguntou a figura encapuzada ao lado do Sr. Rossdale. Pela voz
era uma mulher. – Onde está a chave?
Arregalei
os olhos e olhei para minha mãe. Por instinto minha mão foi em direção a chave
pendurada no meu pescoço. Isso tudo era por causa de uma chave falante?
–
Diga-nos onde ela está? – A figura encapuzada estava irritada.
Os
outros encapuzados se aproximaram mais. Olhei para o lado e vi o rosto do que
estava ao meu lado. Sua pele embora branca, possuía algumas marcas, como
chagas. Aquele com certeza era o nosso fim. Nem mesmo meus pais, com todas as
suas habilidades seriam capazes de matar seis Zalorvis. Sim, estes nós podemos
matar. Afinal, eles já estão mortos. Eles são as criaturas mais sujas
existentes em Eliyah. Infectam pessoas inocentes com uma tristeza tão profunda,
que elas só encontram alívio no suicídio. E depois disso, eles se alimentam de
seus corpos. É nojento.
O
zalorvi ao meu lado se aproximou e me puxou dos braços da minha mãe. Assustada,
soltei um grito desesperado.
Logo
depois, vindo por detrás das árvores, surge um lobo cinza. Ele saltou no
zalorvi que estava atrás de nós e meu pai aproveitou para usar mais uma vez
seus poderes. Ele ergueu a mão direita e começo a ressequir o corpo do zalorvi
até ele cair no chão, e logo em seguida sua cabeça se separou do corpo.
Minha
mãe tentou se aproximar do que me segurava, mas com medo de me machucar se
deteve. Aquele bicho nojento estava me usando como escudo. Decidi eu mesma me
libertar. Segurei sua mão e a mordi com força.
Assim
que ele me soltou, minha mãe o atacou. Ela me pagou no colo e olhou para meu
pai. Ele e o lobo estavam lutando em conjunto. Como grandes amigos. Meu pai
olhou para nós, deu um sorriso. Minha mãe concordou com a cabeça e correu para
dentro da floresta.
–
O que estava fazendo? O papai! – Gritei.
Minha
mãe parou, me colocou no chão e olhou nos meus olhos e disse...
–
Papai não virá... Somos só nós duas.
–
Mas...
–
Mas nada! Temos que chegar ao portal. – Minha mãe segurou minha mão com força e
me puxou.
Corríamos
sem olhar para trás. Em mesmo os galhos dos arbustos nos faziam parar. Meus pés
doíam e já não conseguia correr. Então, uma dor forte percorreu meu corpo e se
alojou no meu coração. Como se o quisesse partir. E o mais estranho, é que
minha mãe parecia sentir a mesma dor. Ela ajoelhou-se com a mão direita sobre o
peito e começou a chorar.
–
Mãe... – Toquei em seu ombro. – O que
houve?
Ela
olhou para mim com os olhos cheios de lágrima, mas antes que pudesse responder,
um uivo de dor e lamento a impediu.
–
Temos que continuar. – Minha mãe se levantou e continuamos nosso caminho.
Caminhamos
por um metro e paramos. Minha mãe olhou para trás.
–
Querida... – Ela se ajoelhou diante de
mim e sorriu. – Você tem que seguir sozinha.
–
O quê? – Gritei.
–
Não discuta. – Minha mãe colocou os dedos sobre minha boca. Ela tirou de dentro
de sua bota um pedaço de papel. – Este é o endereço do seu tio Andrew e o
telefone.
Telefone?
O que seria isso, uma feiticeira?
– Quando
atravessar o portal,
procurei por um livre e peça ajuda. Tenho certeza que
alguém vai ajudá-la.
–
Mas como é que vou conjurar o portal? Sou muito jovem. – Perguntei quase
chorando.
–
Use a chave. – Minha mãe a segurou. – Levante-a em direção ao lago e ela se
encarregará do resto. – Ela tocou meu rosto. – E Bettina, aconteça o que
acontecer, não olhe para trás. E principalmente, nunca se esqueça de proteger
essa chave.
Concordei
com a cabeça e abracei minha mãe com força.
–
Agora vá. – Corri. Precisava chegar ao portal. Enquanto corria, eu tentava
guardar o papel que minha mãe me deu no bolso do meu vestido.
Como
não conseguia, parei por alguns segundos. Peguei o papel e o guardei. Iria
voltar a andar, quando senti mais uma vez uma dor forte pelo corpo e que parou
no coração. Mas desta vez foi mais intensa. Era como se eu estivesse morrendo.
Não tinha mais forças para correr. A dor era forte demais.
Comecei
a ouvir passos em minha direção. Levantei-me e olhei para os lados.
–
Srta. Ward. – Era a voz do Sr. Rossdale – Onde está? Saiba que é inútil fugir.
Não quero matar mais uma fênix. Foi lamentável ter que fazer isso com os seus
pais. – Coloquei a mão sobre meu coração. Era isso que a dor significava.
Dei
alguns passos para trás. O Sr. Rossdale se aproximava junto com uma das figuras
encapuzadas.
Entrei
no meio de alguns arbustos. Dei mais alguns passos para trás, já me preparando
para correr, quando do nada alguém me pegou por trás e cobriu minha boca para
abafar o grito.
Seja
quem fosse, me levou para longe do Sr. Rossdale. Assim que fui posta no chão,
me virei para ver quem era. Nunca imaginei que ficaria tão feliz em ver aquele
magricela.
–
Tristan! – Eu o abracei com força – Você voltou! – E desabei a chorar.
Meu
choro foi tão compulsivo, que molhei sua camisa. O que não foi ruim, já que ele
estava com o ombro ferido.
–
Está sangrando? – Toquei a camisa na parte manchada.
–
Não mais. Graças a você. – Tristan tentou sorrir, mas havia tristeza em seus
olhos.
–
Papai e Mamãe. Eles... – Não completei a
frase.
–
Eu sei. – Tristan secou meu rosto. – Agora não é hora de chorar precisamos
atravessar o portal. – Ele segurou minha mão com força. – Por aqui.
Andamos
devagar e agachados. Não queríamos ser vistos e muito menos que as folhas
caídas no chão nos denunciassem. Onde Tristan pisava, eu também pisava. Não
estávamos muito distantes. O lago estava a poucos passos, mas havia um
problema... Dois soldados de Rossdale estavam na beira do lago. Tristan agachou
e cochichou no meu ouvido.
–
Pequena dama, quero que fique aqui. – Tristan retirou a bolsa e o casaco que usava. – Vou dar um
jeito neles.
–
Não! – Puxei-o. – Não pode me deixar aqui. Não me deixe sozinha. – Nem terminei
de falar e comecei a chorar.
Tristan
passou a mão no meu rosto e secou as lágrimas.
–
Eu nunca vou te deixar. É uma promessa. – Ele deu um sorriso. – Fique aqui,
feche os olhos e não importa o que ouvir, não os abra. Não sai daqui. Promete?
–
Prometo. – Tristan parecia tão sério e adulto, que achei melhor não discutir.
Fechei
os olhos. Ouvi seus passos se afastando e alguns segundos depois ouvi os gritos
dos soldados. Eles pareciam lutar contra algo, mas seja o que fosse era muito
difícil de derrotar.
Então
ouvi um baque, como de algo caindo e bem ao meu lado.
Abri
meus olhos com tudo e dei de cara com um dos soldados. Ele estava caído com os
olhos bem abertos e com a garganta dilacerada.
Soltei
um grito e sai do meu esconderijo, bem a tempo de ver o
outro sendo morto
por um lobo
cinza . Assim como o primeiro, ele também teve a
garganta dilacerada.
Ao
largar o soldado, o lobo olhou para mim. E o mais louco, é que seus olhos eram
azuis, mas não era um azul comum. Eles me lembravam os de Tristan.
–
Tristan? – Olhei para o lobo. Devo ter enlouquecido, mas o lobo me lembrava
aquele magricela.
O
lobo deu alguns passos em minha direção e começou a rosnar. Certo, ele não é o
Tristan. Agora eu viraria jantar de lobo.
–
Pequena dama! – Ouvi a voz de Tristan ao longe e parece que o lobo também. Ele
olhou em direção a voz. – Pequena dama?
Olhei
mais uma vez para trás e logo em seguida para o lobo. Não sabia o que fazer. Se
correr o lobo me pega, se ficar Tristan vai ficar furioso. Por algum motivo
inexplicável, o lobo começou a recuar e entrou no meio da floresta.
–
Onde está? – Agora Tristan parecia mais perto.
Corri
para meu esconderijo e gritei.
–
Aqui!
Não
demorou muito para nos encontrarmos.
–
O que foi que eu disse? – Ele olhou para mim sério.
–
Não sair do meu lugar.
–
Se não estivesse com pressa até perderia meu tempo brigando com você, mas ele
está curto e precisamos atravessar o portal. – Ele me puxou pelo braço.
–
Você viu... Um lobo matou os soldados? – Disse enquanto era puxada.
–
Vi. Por isso voltei para te buscar. Mas você sumiu. – Ele se virou para ver o
meu rosto e foi nesse momento que viu a chave no meu pescoço. – O quê? – Ele a
tocou. E assim como meus pais, ficou branco como neve.
–
Essa chave falou comigo e parece que Sr. Rossdale está atrás dela. – Tristan
iria dizer algo, mas se calou ao ouvir passos vindo em nossa direção.
–
Vamos, pequena dama. – Ele me puxou pela mão e voltamos a caminhar. Tínhamos
que chegar ao meio do lago. Ele estava a apenas alguns passos, mas paramos
novamente. O Sr. Rossdale se aproximava. Ele conversava com alguém praticamente
aos berros.
–
Você é uma incompetente, Indra! É isso que ganho ao dar ouvidos a uma zalorvi!
–
Meu senhor!
–
Não quero as suas desculpas. Sabe o quanto isso era importante para mim. Estou
procurando há quase dezoito anos.
–
Meu senhor! – Agora Indra ficou zangada. – A chave está aqui!
–
O quê? – Rossdale deu um grito.
–
Pequena dama, hora de correr. – Tristan me pegou no colo e correu em direção ao
lago.
–
Enlouqueceu? Você não pode conjurar o portal. Eu tenho que fazer. – Levantei a
chave para mostrar, mas fui ignorada.
Ele
me colocou na beira do lago, bem no meio. Respirou fundo, levantou a mão
direita, fechou os olhos e começou a murmurar algo. Exatamente como meus pais
faziam.
A
água do lago começou a se agitar e logo uma luz vinda do horizonte se
aproximou, tocou a superfície do lago e afundou. Logo em seguida a água se
agitou mais, até uma fenda, como uma
porta começar a se abrir.
–
Você é mágico! Não é um livre. Por que mentiu?
–
Eu precisava. – Respondeu Tristan sério.
–
E como! – Disse uma voz grossa a nossas costas.
Nós
nos viramos em direção ao Sr. Rossdale.
–
Sabe... Eu sempre soube que você era real. – Ele apontou para Tristan – Mas
nunca imaginei que fosse um rapazote. – O Sr. Rossdale tinha um sorriso de
triunfo. – Você é igualzinho a sua mãe.
– Olhe!
– Indra apontou para o meu peito. E logo
em seguida Tristan me escondeu atrás
dele.
–
Como pode protegê-la? – Rossdale ficou furioso. – Sabe o que ela é, e mesmo
assim... Entregue a garota!
–
Não! – Com um movimento rápido Tristan conjurou a magia, algo que nunca tinha
visto antes. Ele fez com que a água do lago se movesse e envolvesse Rossdale.
Indra tentou se aproximar, mas foi erguida no ar pelo vento, que não sei de
onde surgiu. Com uma das mãos Tristan mantinha o feitiço sobre os dois, e com a
outra, ele terminava de conjurar o
portal.
Agora
a fenda estava maior e já podíamos ver um campo verde, com algumas roseiras e
uma velha árvore do outro lado. Tristan parou o feitiço e segurou na minha mão.
–
É agora! – Corremos em direção a porta.
O
outro lado já parecia pequeno atrás de mim, mas antes que eu pudesse por meus
pés do outro lado, uma mão segurou meu braço e me puxou de volta.
–
Volte aqui! Você e a chave não vão a lugar nenhum.
–
Me solta! – Eu tentava me soltar, mas Indra era muito forte.
–
Pequena dama! – Tristan e Indra faziam
de mim um cabo de guerra. Puxando-me de ambos os lados.
Não
sei se foi por causa da magia realizada, mas Tristan estava sem forças. Ele
tentava me levar para o outro lado, mas sentia que estava escapando de seus
dedos.
Indra
já estava quase conseguindo me levar de volta. Agora podia ver novamente
Rossdale, e que por sinal estava furioso. Quando senti sua mão segurar a de
Indra, meu desespero aumento, ainda mais quando Tristan tentou me puxar de
volta e Rossdale lançou nele um feitiço, deixando caído no chão sem se mover. A
mesma dor que senti no meu coração voltou com mais força e desejei do fundo da
minha alma apagar aquela noite das minhas lembranças.
Então
uma onda de calor percorreu meu corpo e minha pele ganhou uma aura vermelha e alguns segundos
depois Indra e Rossdale estavam em chamas,
junto comigo. Meu corpo todo estava em chamas. Mas não foi isso que me
assustou, e sim, a chave que brilhava e a fênix que me olhava com seus olhos
dourados. Gritei e logo em seguida senti um solavanco e tudo ficou escuro.